Criada em 1952, a Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG) é uma das principais concessionárias de energia elétrica do Brasil. A companhia, com valor de mercado avaliado em mais de R$ 20 bilhões, virou alvo das privatizações planejadas pelo governo Zema.
Para falar da Cemig e do fracasso das privatizações do setor elétrico no Brasil e no mundo, o coordenador-geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG), Jefferson Silva, explica porque é importante lutar contra as privatizações.
Ao longo da história, a privatização de empresas do setor elétrico trouxe benefícios ou prejuízos?
Alguns pontos são fundamentais para entender como as privatizações são ruins. No Brasil, as privatizações que já ocorreram com empresas do setor de energia apresentaram aumentos abusivos na tarifa de energia, uma precarização no fornecimento de energia e no serviço oferecido aos consumidores.
A privatização do setor elétrico no país começa em 1995, com a privatização da Espírito Santo Centrais Elétricas (Escelsa), ocorrida entre os anos de 1995 a 2015. Curioso é que o Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos e Socioecônomicos (Dieese) fez um estudo analisando o reajuste acumulado e o aumento da tarifa neste período, com base na inflação. O resultado é que a tarifa aumentou 751%, enquanto a inflação foi de 342% do reajuste acumulado. Um verdadeiro absurdo.
Você acredita que em Minas Gerais isso também pode acontecer?
Sim e nós já tivemos um impacto na tarifa o ano passado, fruto da privatização de quatro importantes usinas da Cemig, privatizadas em setembro de 2017. São elas a de Jaguara, São Simão, Miranda e Volta Grande.
Essas usinas, quando eram da Cemig, operavam com tarifas de R$66 megawatt/hora gerado. O governo federal, na época do Michel Temer, como privatista, ofertou, no edital de venda, o valor de tarifa de R$ 142 o megawatt/hora, ou seja, mais que dobrou.
Digo isso para reforçar que na história das privatizações já identificamos o aumento abusivo da tarifa de energia e, obviamente, a precarização do fornecimento de energia e do atendimento do consumidor.
O objetivo central da privatização é que quem compra quer o setor elétrico para poder aumentar o lucro. E como você aumenta o lucro? Aumentando a tarifa ou cortando custos na empresa. No caso da Cemig seriam cortes de pessoal, de trabalhadores, de investimentos e de orçamentos gerenciais. É importante falar também que, caso a Cemig seja privatizada, teremos também outros prejuízos no campo social.
Sendo a empresa estatal, a Cemig é detentora de 51% das ações (as demais são de capital misto), o Estado tem como prerrogativa garantir investimentos em áreas ou projetos que não tenham necessariamente que “render lucro”, como por exemplo, investir na expansão de projetos como a energia rural, com a universalização da energia.
Para fazer chegar energia nas áreas rurais, universalizando o serviço e ligando moradores da zona rural, a empresa terá que construir grandes redes de fornecimento, iniciativa que não terá rentabilidade a curto prazo.
Estamos falando de políticas sociais como, por exemplo, a que é aplicada às instituições filantrópicas como a Santa Casa, que não requer lucro e que funciona porque tem a capacidade de negociação com o Estado, que oferece ao local subsídios na conta de luz, diminuindo o valor da dívida de energia. Esses são projetos de grande importância social.
A reestatização será um caminho natural para o Brasil?
Sim e o cenário internacional foi estudado por um instituto chamado Transnational Institute, que identificou o processo de reestatização de 884 empresas, em sua maioria do setor elétrico, em diversos países.
Essas empresas que eram estatais foram, em sua maioria, privatizadas entre os anos de 1990 e início dos anos 2000. Os resultados foram aumento das tarifas e precarização dos serviços, e levaram países centrais do capitalismo, como Estados Unidos, Alemanha e França a reestatizarem suas empresas, trazendo de novo a administração para o Estado.
O que estamos vendo é que o mundo está apontando qual é a melhor forma de administrar essas empresas e a melhor forma é sendo estatal. Já o Brasil vive um caso preocupante, porque insiste em andar na contramão da história.
A que você atribui essa "insistência"?
A insistência do governo em privatizar está alinhada a um processo ideológico que neste momento me parece um pouco conturbado. As privatizações que aconteceram na década de 90 tinham como caráter tirar do Estado a administração, o que não ocorre hoje, porque as empresas que privatizam as estatais são também estatais internacionais.
Um exemplo disso são as quatro usinas da Cemig que foram compradas por estatais chinesas, francesas e italianas, mostrando que o mundo está entendendo que o Estado tem que absorver esse setor, que é estratégico. Aqui no Brasil estamos indo ao contrário disso.
Em algumas discussões promovidas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais se falou em uma "piora" do serviço para forçar o processo de privatização. Você acredita nisso?
Sim. Os debates que a gente tem feito na ALMG citam exemplos como o de Goiás, que após a privatização da Companhia de Energia (Celg), em 2017, foram registradas reclamações de agropecuaristas sobre e ineficiência do atendimento e da disponibilidade de energia.
Em outra cidade, Caldas Novas, cuja economia é baseada no turismo, o prefeito fez um vídeo denunciando o impacto do fornecimento de energia para o abastecimento de água. Lá o caso é grave, porque houve também um “investimento” da empresa que privatizou na mudança de medidores. Isso causou um impacto na conta de energia, que subiu em média 300%. A empresa queria ainda cobrar dos consumidores um retroativo sobre o dinheiro não arrecadado do período anterior.
Como o sindicato atua contra o discurso das privatizações?
Desde que o Zema assumiu, o Sindieletro tem se articulado com os movimentos sociais, com outros sindicatos, com a Assembleia, para traçar medidas que barrem a privatização como um todo em Minas Gerais.
A Assembleia tem um papel predominante porque ali que será decidido se será vendido ou não as nossas estatais. Nós do sindicato estamos realizando debates em todo o estado, onde a gente organiza plenárias e chama a população para explicar os efeitos da privatização.
Para Minas Gerais, quais são os sinais evidentes de que Zema está preparando a Cemig para a privatização?
Zema está fazendo uma política de “antecipação” da privatização da Cemig. Identificamos isso por conta de algumas medidas como o fechamento de fevereiro a abril deste ano de 50 bases operacionais em todo o Estado. Essas bases eram ocupadas por eletricistas que faziam atendimentos aos consumidores como religação, cortes de energia, novas unidades consumidoras, além do serviço de urgência como a indisponibilidade de energia.
O que o governo fez ao fechar essas bases foi afastar os eletricistas de seus consumidores. Se houver indisponibilidade de serviços próximo às bases, os consumidores terão que esperar mais tempo para serem atendidos, porque esses trabalhadores foram deslocados para cidades polo e isso pode demorar.
Mais um caso que mostra a estratégia de desmobilização foi o fechamento da base territorial no bairro São Gabriel, em Belo Horizonte, que atende mais de um milhão de consumidores no Vetor Norte, Serra do Cipó e Região Metropolitana de Belo Horizonte.
No primeiro semestre Romeu Zema afirmou que precisava fazer redução de custos da Cemig para preparar para a privatização. A base do São Gabriel, que está avaliada em R$15 milhões, preço a meu ver abaixo do mercado, já foi fechada, ou seja, se for vendida será com o valor de R$15 milhões.
Houve também uma redução de 42% dos cargos de gestão, o que mostra que os altos salários estarão na mira desse “contingenciamento” dentro da Cemig, mas mostra também que ninguém estará a salvo e que muitos trabalhadores poderão ser cortados.
Estamos, neste momento, negociando um acordo coletivo contra os cortes de custos, salários e, sobretudo, contra esse projeto de antecipação da privatização. Vamos lutar agora, todos, para evitar o processo de privatização, porque reverter depois de privatizada é mais difícil.