Moradores das ocupações em Uberlândia e São Sebastião do Maranhão querem mais diálogo e empenho do governo de Minas Gerais para ter o registro dos seus imóveis
Há sete anos Maria Aparecida, mais conhecida como Cida, não imagina que não teria como pagar o aluguel no valor de R$ 700 e que a sua única opção seria ocupar um terreno no bairro Santa Clara, em Uberlândia. Mãe de três filhos e desempregada ela não pensou duas vezes, e passou a integrar, junto com outras 699 famílias, a ocupação em Uberlândia que, quase uma década depois, aguarda a instalação de água e esgoto e o processo formal de regularização, ou seja, o registro de que ela é dona da casa onde mora.
“É tudo na base do gato. Não temos rede de esgoto, nem água, e o que me deixa bem triste é porque somos uma comunidade organizada, nunca tivemos conflitos”, conta orgulhosa dizendo que hoje é coordenadora da comunidade e que o diálogo muitas vezes é feito por um grupo de whatsapp que “funciona bem”, garante.
O caso de Cida não é único, e hoje estima-se que mais de 70 mil famílias em Minas Gerais sofram com a falta de regularização fundiária urbana. Para tratar do assunto, o deputado Betão convocou uma audiência pública para discutir a LEI Nº 13.465, DE 11 de julho de 2017, que trata da regularização fundiária e cobra do atual governo o início do cumprimento da promessa de regularizar as ocupações em todas as regiões do Estado .
Na prática o governo disse que iria providenciar o registro do acesso as essas moradias, mas até o momento não apresentou um diagnóstico nem uma proposta de diálogo junto às prefeituras.
“Estamos falando de famílias, de trabalhadores que não tem o reconhecimento de um direito básico que é o acesso à propriedade. Temos leis mas sabemos que na prática o poder público ainda não tem agido em favor dessas famílias”, disse lembrando que o governo de Minas Gerais ainda não apresentou um cronograma de início do processo de regularização. Para buscar mais agilidade no processo, Betão apresentou diversos requerimentos cobrando informações e maior empenho do governo de Minas Gerais.
Ocupação Glória é uma das maiores da América Latina
A realidade da ocupação Elisson Pietro, mais conhecida como Glória, considerada uma das maiores da América Latina, não é a realidade de muitas ocupações urbanas no Estado. O local também é considerado pelo poder público como a maior experiência de regularização fundiária do país porque hoje vivem no espaço mais de 2.200 famílias, ultrapassando 12 mil moradores.
A história do assentamento começou em 2012, quando um grupo de sem teto que ocupou um terreno da Universidade Federal de Uberlândia. Anos depois, graças à articulação do ex-presidente Lula junto ao governo de Minas Gerais, a Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais (Cohab), interveio mediando a doação do terreno aos moradores e cedendo um novo terreno à universidade de Uberlândia.
As famílias assentadas pagam pelo lote uma prestação que varia entre R$ 125 e R$ 500, equivalente ao valor do terreno que elas adquiriram, em torno de R$30 mil. Atualmente a ocupação conta com energia elétrica, mas ainda faltam o saneamento básico e a instalação de água.
De acordo com o advogado dos assentamentos em Uberlândia, Igino Marques, já existem leis nacionais e dentro dos municípios como Uberlândia, além de decretos e outros mecanismos que garantam a regularização e o registro de posse da terra, mas o que falta ainda é uma mobilização dos municípios para que isso aconteça.
“A propriedade é um direito fundamental. Os projetos e as leis que existem devem ajudar a transformar a posse em propriedade. Os moradores das ocupações não querem nada de graça, eles em média, pagam cerca de 30 mil reais por casa em Uberlândia. O que falta é o registro da terra”, disse reforçando que o registro na prática ajudará no planejamento das ocupações urbanas, em georreferenciamento, no acesso à saúde, educação e a outras políticas públicas”, explicou Igino.
Para Alceu José Torres Marques, do Ministério Público de Minas Gerais o reconhecimento das ocupações é um jogo de “ganha-ganha”, onde todos serão beneficiados. “Com a regularização urbana o município ganha muito porque além do registro e reconhecimento da área, os prefeitos poderão oferecer de forma ordenada serviços e políticas sociais básicas”, reforçou.
O Frei Gilvander Luis Moreira, da Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais, fez um alerta para a realidade dos assentamentos no Estado, que de acordo com os estudos que ele tem feito, milhares de famílias aguardam o registro da terra e a regularização fundiária urbana.
“O que essas famílias querem é a regularização das terras. Em Minas estamos falando em mais 70 mil famílias que vivem hoje em ocupações no Estado. Só em Belo Horizonte são cerca de 25 mil famílias, em 119 ocupações, aguardando o registro do imóvel e o acesso à água luz e esgoto”, disse Frei.
São Sebastião do Maranhão também quer a regularização fundiária urbana
“Eu ouço as pessoas falando que tem medo de morrer sem ter o reconhecimento da terra e não poder deixar nada para os seus filhos, nem um registro. Isso é triste demais e eu, como prefeito, sinto muito em não poder fazer nada pelas pessoas”, disse Aguinaldo Timoteo Ferreira Bessa, prefeito da cidade de São Sebastião do Maranhão.
O prefeito da cidade conta também que cerca de 8o% dos imóveis situados na área urbana são irregulares e que a situação é alarmante. “O governo estadual passado nos deu mais atenção, já esse parece que esqueceu a gente”, reclamou Aguinaldo.
De acordo com dados da Copasa, a cidade conta com cerca de 1.200 domicílios (com base na quantidade de hidrômetros ligados) e pouco mais de 10 mil habitantes (IBGE). A principal demanda é a ausência de tratamento de esgoto no município, que ainda utiliza a chamada fossa negra, ou descarte in natura, feito no córrego São Félix.
Existe um convênio assinado entre a Copasa e o município em que a companhia estadual se obriga a realizar as obras e explorar o serviço de esgoto na cidade. “Muito pouco foi feito pela Companhia mineira. Isto traz consequências ambientais danosas pra cidade, que não tem expertise e orçamento para arcar com tamanho empreendimento, reforçou o prefeito Aguinaldo.
A assistente social da Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais, Salete de Oliveira, fez uma análise das duas cidades afirmando que haverão avanços no assentamento Glória e também no Santa Clara.
“Estamos nos esforçando para que, em breve haja uma regulamentação das ocupações citadas. Em algumas delas, como o Glória teremos em breves obras ligadas ao esgotamento e infraestrutura em geral.
Cleuzimar Fernandes Britis, oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Santa Maria do Suaçuí, disse que no governo passado havia um diálogo maior com os agentes que lidavam com o setor e que o tema deve ser prioridade para a atual gestão, tendo em vista que no estado há um deficit de moradia superior à 575 mil domicílios (Fundação João Pinheiro).
“Não é difícil o Estado, em parceria com os municípios, fornecer e garantir o direito à moradia digna. Em termos de documentação há muita coisa gratuita e de fácil acesso como a gratuidade do primeiro registro e de alguns serviços para regularização. Regularizar é mais importante que registrar é investir em planejamento, urbanização e ainda alavanca a economia dos municípios”, finalizou Cleuzimar.