Medidas anunciadas mais uma vez não atendem de forma igualitária a todos os alunos da rede estadual
Apesar de saber das dificuldades de conectividade, a Secretária de Estado de Educação(SEE), Júlia Sant’Anna, apresentou, mais uma vez, medidas tecnológicas e pouco acessíveis para dar continuidade às aulas e às atividades de alunos e profissionais da educação em Minas Gerais. Durante reunião realizada na Assembleia Legislativa, o governo de Minas disse que anunciará, nos próximos dias, o lançamento de um aplicativo, a liberação de telelaulas , além da transmissão de conteúdo a ser transmitido pela Rede Minas.
Durante a audiência, Betão, que é vice-presidente da Comissão de Educação da Assembleia, questionou a secretária sobre os riscos de desigualdade de aprendizagem colocados pela decisão por aulas remotas. “Fico extremamente preocupado porque Minas tem condições diferentes. A Rede Minas, por exemplo, não chega a todas as regiões do estado, e a internet muito menos”, afirma.
O deputado questionou ainda como os cerca de 1,7 milhão de alunos da rede estadual, que estão fora da sala de aula há mais de um mês, poderão voltar a estudar a partir do dia 4 de maio, tendo acesso ao conteúdo de forma segura e sem o risco de contaminação, sem depender exclusivamente da internet.
Estatisticamente, os números já alertaram. De acordo com o IBGE, em Minas Gerais, 54% da população não possui acesso à internet e 24,7% não sabem usar computador. Quanto à Rede Minas o dado é ainda mais preocupante, porque o sinal só chega à um terço dos 853 municípios mineiros.
“O que me parece é que esse planejamento é uma resposta à pressão do Executivo para a que a secretaria apresente algum resultado à sociedade diante da pandemia. Porque o que foi dito não atende e não vai contemplar todos os estudantes, e sim aumentar ainda mais a desigualdade”, complementou.
Betão lembrou ainda que há um quadro em que os trabalhadores da educação estão com os salários atrasados, sem condições até mesmo de muitas vezes comprar os equipamentos necessários para elaboração das aulas. “Será que o Estado vai fornecer esses equipamentos aos profissionais que, além de preocupados com a manutenção de sua saúde, estão extremamente prejudicados pelas medidas do governo Zema anteriores à situação de pandemia?”, finalizou.
Professores da rede estadual na Zona da Mata enfatizam as dificuldades do modelo de ensino à distância proposto pelo governo
A imposição do governador na implantação do ensino à distância na rede pública do estado preocupa professores e alunos. Até mesmo em uma cidade de porte médio como Juiz de Fora, muitas famílias não têm acesso à internet de boa qualidade. Algumas, quando muito, acessam a rede apenas pelos dados do celular. É o que nos contou Thiago de Paula Carvalho, professor de História dos ensinos fundamental e médio da cidade.
Para o professor, com essa medida, o governador “estaria formalmente dizendo que está cumprindo a obrigação do estado de fornecer educação para as crianças, mas que alcançaria uma quantidade muito reduzida dos alunos e ao mesmo tempo desobrigaria o estado, no futuro, a repor esses dias parados”. Ou seja, para Thiago, as crianças deixariam de ter acesso a uma educação completa submetidas às aulas remotas e seriam muito prejudicadas.
Professora de biologia e ex-diretora da Escola Estadual Presidente João Pinheiro na cidade de Santos Dumont, Sheila Piotto Couto Silveira considera que as aulas à distância serão complexas, principalmente para os alunos da zona rural. “Há lugares em que nem sequer há internet, alguns estudantes têm celulares e computadores, mas usam somente quando vão à escola”, pontua. A possibilidade de deslocamento até a escola para pegarem as atividades também preocupa a professora, tendo em vista que os alunos estariam deixando a quarentena necessária e expondo-se ao risco de contaminação pelo coronavírus.
Sheila enfatiza que essa é uma decisão que deve ser amplamente discutida com a categoria. De acordo com ela, é também preocupante a situação dos professores. “Além de uma parte da categoria estar em greve e sem receber seus salários, o sistema que o estado adota não tem equipamentos suficientes para que o professor possa preparar uma aula remota”, afirma.
“A proposta do desgoverno Zema, à primeira vista pode parecer como algo moderno e que contorna as dificuldades impostas pela atual pandemia. Mas basta um pouquinho mais de reflexão para enxergarmos os limites e até a inviabilidade da proposta”, afirma Adebiano Rodriguez, professor de História do Ensino fundamental e Médio na rede estadual de educação de Minas Gerais, nos municípios de Piau e Simão Pereira.
O professor é categórico quando afirma que a função da rede pública de ensino é “garantir condições de igualdade para a aprendizagem” e enfatiza o fato de não existência de suporte necessário para que todos os estudantes tenham igualdade de acesso ao ensino tal como tem sido proposto.
“Nas escolas onde leciono quase metade dos estudantes são oriundos da zona rural e, portanto, caso tenham de se deslocar até a escola em algum momento terá de ser pelo transporte escolar e inevitavelmente aglomerados. Alguns desses estudantes residem em regiões onde não há internet, outros possuem apenas internet móvel em celulares. Em sua grande maioria, não possuem computadores que seriam mais adequados ao uso para estudos. Nesse ponto, a realidade desses pequenos municípios não se difere das periferias de cidades maiores como Juiz de Fora”, relata.
Para Adebiano, ao longo do ano letivo os professores trabalham para identificar as dificuldades apresentadas pelos estudantes e solucioná-las em sala de aula. Quando isso não é possível, mesmo que o estudante disponha de condições técnicas para acompanhar as atividades, as dúvidas tendem a se acumular e ocasionar um alto índice de evasão escolar. “Os danos potenciais desse procedimento sem qualquer planejamento ou preparação tendem a ocasionar deficiências de aprendizagem que se arrastarão por toda a geração”, conclui.
O professor lembra também a situação dos profissionais da rede, que sofrem com salários atrasados e medidas de ataque do governador. “Os profissionais da educação mineira já se encontravam em uma greve contra a truculência e os desmandos da gestão Zema. Agora, a greve soma a sua pauta a defesa das condições de igualdade e a defesa da vida dos profissionais e das comunidades escolares”, finaliza.