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Série Contra as Privatizações: entrevista com José Maria dos Santos – Presidente Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua)

De “caixa d’água” do país à maior crise hídrica da história do Estado, Minas Gerais agora passa por outro problema grave: a ameaça do atual governo de privatizar a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).

Em todo o mundo, o setor é o que mais passa pelo processo de REESTATIZAÇÃO, com a França liderando o ranking dos países que voltaram atrás e devolveram ao Estado administração das águas e saneamento básico (dados do relatório Reclaming Public Services- https://www.tni.org/en/publication/reclaiming-public-services)

Para esclarecer os perigos da venda de uma empresa que fornece um dos serviços universais mais importantes para a população: água e saneamento básico, o presidente Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua), José Maria dos Santos.

Secretário de Meio Ambiente da CUT, ele acredita que “é um erro muito grande o governo pensar que se entregar os serviços públicos para uma empresa privada ela vai prestar um serviço de qualidade”.

Confia na íntegra a entrevista:

Por que temos que lutar contra a privatização da Copasa?

Nós do Sindágua, que somos filiados à Central Única dos Trabalhadores e à Federação Nacional Urbanitária, temos feito uma luta nacional, estadual e até mesmo municipal contra qualquer tipo de privatização. Fazemos isso por entender que o saneamento está muito ligado a políticas públicas de saúde, à qualidade de vida, e à sobrevivência da população em áreas em que o setor privado jamais vai querer fazer investimento. Por isso, o Sindágua tem se manifestado publicamente contra essa fala do governador Zema de privatizar o setor de saneamento, sem ao menos ter um conhecimento de causa.

Como é o contexto do setor de água e saneamento no país e como a privatização pode piorar o atual cenário?

Quem faz o saneamento em Minas Gerais com o recurso da tarifa é a Copasa. O estado não “põe” recurso, o município não “põe” recurso, e o governo federal então, não tem investido nada.

O setor de saneamento básico precisa de políticas públicas dos três entes de governo, e as obras são caras, temos casos de obra de mais de 10 mil quilômetros para levar água aos municípios carentes de recurso.

Estamos falando de setores fundamentais que hoje sofrem com a crise hídrica em Minas Gerais, sem falar no tratamento de esgoto, que em Minas e no Brasil apresentam um déficit muito grande.

Esse déficit não é por causa das empresas como a Copasa, nem por causa dos trabalhadores, mas por conta da crise das políticas públicas como essas que nós estamos vivendo. É um erro muito grande o governo pensar que se ele entregar os serviços públicos para uma empresa privada ela vai prestar um serviço de qualidade.

O exemplo que nós temos com empresas privadas neste setor no Brasil é o risco de não ter qualidade e prestar um bom serviço. Elas priorizam o lucro em primeiro lugar, e para dar lucro elas vão ter tarifas muito mais altas, vão querer cobrar muito mais da população que está cada vez mais carente e em uma situação difícil.

Na prática, quais seriam os prejuízos para a população caso a Copasa seja privatizada?

O primeiro prejuízo é que a Copasa tem uma tarifa que nós chamamos de subsídio cruzado. Belo Horizonte, por exemplo. é uma cidade superavitária, tem uma tarifa com alta lucratividade, possui nascentes próximas da distribuição e por isso fez muitos investimentos no setor.

Em uma das estações de tratamento de água que está em Nova Lima, a água vem por gravidade aqui para Belo Horizonte, por isso a tarifa aqui em Belo Horizonte é “lucrativo” para a empresa.

A partir daí, o que Copasa faz? Esse lucro que ela tem é investido principalmente no Norte de Minas, no Vale do Jequitinhonha e no Sul de Minas para que possam ser feitas as obras de saneamento nas cidades que ainda não tem.

A primeira coisa que vai acontecer, caso seja privatizada, é acabar com o subsídio cruzado, o que será um grande prejuízo para as comunidades mais carentes.

Outro ponto importante, que a empresa não divulga muito é que ela tem um tratamento diferenciado com os hospitais. Em Belo Horizonte, a Santa Casa de Minas Gerais, por questões econômicas, tem dívidas com a Copasa que não podem ser pagas (devido ao alto valor).

Caso seja privatizada, a primeira coisa que será feita é que os hospitais que a Copasa tem garantia de dar isenção de pagamento, provavelmente passarão a pagar tarifa e não sabemos como será o a valor dessa tarifa.

As pessoas menos favorecidas seriam as que iriam mais sofrer com a privatização do setor de saneamento.

Por que o setor de saneamento virou “alvo das privatizações. Esse processo é recente, ou Minas está na contramão da história?

O Brasil teve na década de 90, com Fernando Henrique Cardoso, um “modismo” de privatizações, com o setor elétrico. Tentaram também privatizar a água, mas não conseguiram. Duas empresas vieram para o Brasil, uma delas está até hoje no Amazonas, mas como elas não conseguiram implementar a universalização do saneamento, não conseguiram dar a qualidade da água, elas não conseguiram implementar o projeto de privatização.

Pelo mundo temos casos de reestatização que nos mostram que privatizar empresas como a Copasa é sim um prejuízo. Um exemplo próximo é a vizinha Argentina. Em Buenos Aires, a empresa que comprou a estatal de água e saneamento estava operando sem dar condições de preço aos usuários. O resultado é que ela abandonou o mercado argentino e retomou para a França e a empresa da cidade voltou a ser pública.

No mundo afora, em função dessa crise hídrica que nós vivemos, onde a natureza está “gritando”, com casos de enchente onde não havia antes e também casos de secas extremas, temos mais do que nunca que investir em alternativas que garantam a prestação de serviço e não piore a situação.

Em Montes Claros tivemos uma crise hídrica muito grande, com o Rio Juramento quase secando, e a solução foi a construção de uma adutora no Rio Pacuí. Mesmo assim, não havia água no rio e para não entrar em uma crise ainda pior a Copasa interveio e buscou água no São Francisco, a mais de 100 km. Ai eu te pergunto, se uma empresa privada for colocar isso no custo, a população de Montes Claros teria condições de pagar essa conta? Provavelmente não teria.

Por isso não podemos falar em vender por vender. Temos que fazer uma discussão com a população, vamos procurar expandir junto com a sociedade para que possamos entender a importância de a gente defender a água. Nós do Sindágua somos totalmente contra a privatização desse setor.

Minas Gerais é conhecida como caixa dágua do Brasil, mas não é essa a realidade de hoje e a crise hídrica demonstrou que muitos locais estão passando pelo problema da falta de água.

A gente precisa ter uma política pública de discussão de coisas que são importantes para a população como energia, água e educação, saúde. Isso não é simplesmente achar que o privado vai fazer

Eu gosto de pensar na educação como um exemplo universal, porque é um direito que é garantido por lei de forma pública e gratuita e que é transformado em um serviço particular, muitas vezes caríssimo. Com a privatização da Copasa em Minas Gerais será a mesma coisa, teremos uma conta de água muito mais cara.

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